Mais uma vez, o campo do marketing se mistura com a psicologia!
É claro que compreender o consumidor, sempre foi considerado fundamental – mas acredito que nos últimos anos a necessidade de engajamento do consumidor tem impulsionado a busca de novos caminhos e estratégias. Hoje, não basta influenciar a compra do produto/serviço; o desafio do marketing está conquistar, engajar e manter uma relação de qualidade com os consumidores.
Sabemos que a publicidade tradicional não tem mais esse efeito. Estima-se que, apenas nos EUA, há investimento de mais de $210 bilhões por ano em publicidade, 96% das pessoas não considera publicidade como o canal confiável/relevante para informações de marcas, segundo Harris Interactive.
Cada vez mais as marcas precisam se aproximar e criar empatia com o consumidor e para isso é preciso sair do discurso corporativo e contar uma história que faça sentido, que envolva e que engaje o consumidor. Segundo Richard (2000), “novas histórias que prendam a atenção do público sempre tem uma característica arquetípica”. Comprovando isso Flávio Cordeiro faz um análise interessante sobre o casamento real britânico, estima-se que o acontecimento foi assistido por mais de 2 bilhões de pessoas e gerou cerca de US$ 3 bilhões para economia britânica, superior ao gerado pelas Olimpíadas de Londres. “O fato é que desde tempos remotos, reis e rainhas, duques e duquesas e o casamento do nobre com a plebéia fazem parte de nosso arsenal arquetípico primordial.”

O conceito do arquétipo além da narratologia e da psicologia também está presente na filosofia; Platão e seus seguidores já estudavam certos modelos como “matrizes psíquicas de formas elementares que sustentavam a realidade material”. Na Grécia antiga, a mitologia também estava ligada à deusas e deuses com traços arquétipos.
Fica claro que certos padrões, mitos e personagens nos envolvem como sociedade. Portanto, uma das ferramentas para buscar tornar as marcas mais humanas e próximas, é justamente compreender os arquétipos e seus impactos em todos nós.
O conceito dos arquétipos foi instituído por Carls Gustav Jung; um psiquiatra suíço, fundador da psicologia analítica. Trabalhou em diversos projetos com Freud, porém os dois acabaram rompendo a parceria por discrepâncias ideológicas. (Pra quem interessou, o filme A Dangerous Method retrata o relacionamento entre ambos – e tem no Netflix!)
Entre outros pontos, Freud acreditava no inconsciente pessoal; ou seja, está no meu inconsciente é o que de fato eu que vivi e reprimi, sentimentos os quais se manifestam em sonhos, atos falhos e sintomas psíquicos. Para Jung, o inconsciente não é apenas o que eu – como indivíduo – vivi; para ele;
“o inconsciente contém, não só componentes de ordem pessoal, mas também impessoal, coletiva, sob a forma de categorias herdadas ou arquétipos. Já propus a hipótese de que o inconsciente, em seus níveis mais profundos, possui conteúdos coletivos em estado relativamente ativo, por isso o designei inconsciente coletivo” (JUNG, p. 127)”.
O inconsciente coletivo, é, segundo ele, a camada mais profunda da psique humana, comum à todos nós, justamente onde habitam os arquétipos.
Em tempo!
Estereótipo não é o mesmo que arquétipo. O arquétipo designa uma modelo essencial, um padrão existente na sociedade. Já o estereótipo, são os comportamentos ou características esperados de alguns os modelos sociais. Um exemplo comum é – arquétipo do Mago tem o estereótipo de “senhor idoso com as barbas longas” – é a característica esperada, mas não o modelo essencial.

Margaret Mark e Carol S. Pearson apresentaram em seu livro O heroí e o Fora-da-lei os chamados 12 grupos arquétipos principais – claro, há outros teóricos que afirmam 26, ou até mesmo 100 arquétipos, mas vamos focar na definição de Mark e Pearson por aqui, sendo a mais amplamente aceita e aplicada.
Basicamente o arquétipo serve como uma personalidade – um modelo de personagem comum a todos nós – no qual as marcas usam como artifício para se comunicar e posicionar com uma comunicação personificada. Essa apropriação de personalidades já claramente associadas em nossa psique, torna mais fácil a assimilação e o engajamento com o público. Por meio dos arquétipos, marketing consegue atingir o senso de reconhecimento e significado, se apropriando de motivações humanas e comuns a todos nós.
Para exemplificar, o caso do Itaú – com o posicionamento de marca está ligado ao arquétipo do Prestativo.

“Prestativo
Lema: “Ama o teu próximo como a ti mesmo”
Maior desejo: proteger os outros do mal
Maior medo: egoísmo, ingratidão
Estratégia: fazer coisas pelos outros
Dons: compaixão, generosidade
O Prestativo é um altruísta, movido pela compaixão, pela generosidade e pelo desejo de ajudar os outros. Ele teme a instabilidade e a dificuldade, não tanto por si mesmo, mas pelo impacto sobre as pessoas menos afortunadas ou menos resistentes aos choques.
Para o Prestativo, considera-se eficaz o marketing que leva em consideração as inquietações do consumidor direcionadas aos outros. O cliente, neste caso, deve ser exposto como tendo preocupações com os demais, e o produto deve auxiliá-lo no sentido de demonstrar maior empenho e fornecer grande facilidade de ação.”
Com este perfil, é comum que o arquétipo do Prestativo esteja ligado à grande maioria dos prestadores de serviço, especialmente instituições onde é crucial a confiança no negócio, como o caso das seguradoras e dos bancos.
A comunicação do Itaú se sustenta no arquétipo desde seu slogan à suas mais variadas campanhas; a habilidade de permanecer coerente em diferentes canais e momentos fortalece a mensagem e a veracidade do personagem que se preocupa com o bem estar das pessoas.

As diversas campanhas da companhia tem conseguido comunicar o mesmo arquétipo em diferentes contextos – seja uma campanha institucional de apelo emocional como Garotinha, a nova campanha do Itaú Digital com um linguagem dinâmica e objetiva e até mesmo a mensagem de final de ano de 2016 – “Itaú Digital mas pessoalmente feito pra você”.
Assim como Itaú, Mark e Pearson também trazem outros exemplos de marcas e seus respectivos arquétipos, detalhados abaixo.
É possível, ainda, vincular mais do que um arquétipo à marca, porém sempre mantendo um arquétipo dominante.
De acordo com Jung, trabalhar com arquétipos é como “ancorar algo no subconsciente da humanidade.” A avaliação de qual arquétipo deve ser instituído por cada marca deve transcorrer as conhecidas análises de posicionamento de marca, para, aí sim, emitir a a mensagem apropriada – muitas vezes em formato de storytelling.
A análise da concorrência é fundamental e pode atuar como importante fator de diferenciação. Geralmente o arquétipo dominante no setor é comum a diversos competidores e identificar como se beneficiar e atuar estrategicamente com a apropriação um novo perfil arquétipo pode movimentar o mercado. No livro, as autoras Marks e Pearson abordam o caso do mercado de café, onde é muito comum o arquétipo do Prestativo. Neste contexto, a General Foods e, posteriormente, Starbucks passaram a atuar com arquétipo Explorador – que tem como objetivo uma vida mais autêntica – incentivando a experimentação de novos cafés e trazendo uma nova proposta de valor ao ambiente competitivo.
Os arquétipos são uma profunda ferramenta para estrategistas e marketeiros. Porém, antes de tudo, é importante reforçar que “as melhores marcas arquetípicas são, em primeiro lugar e acima de tudo, produtos arquetípicos criados para preencher e incorporar necessidades humanas fundamentais”. (Mark Batey)